Ensinando as Crianças a Expressar Seu Mundo Interior

“No mundo todo, a educação só poder transformar-se quando ocorrer a transformação do educador. Isso está ficando evidente cada dia mais, o educador precisa educar-se. Não é uma questão de educar a criança, mas o educador.”  – Krishnamurti

Os educadores precisam aprender como trabalhar com o Ser integral: corpo, mente e espírito. Se quisermos desenvolver qualidades da personalidade criativa e introduzir a educação emocional, precisamos treinar educadores para implementar esse novo modelo no sistema atual. Educadores influenciam o pensamento de centenas de estudantes durante suas carreiras. Depois da família, eles são a mais poderosa influência em nossa sociedade, nas mentes de nossa juventude. Há uma enorme diferença entre educar, visando aquisição de emprego produtivo e educar para ajudar as pessoas a crescerem como seres humanos. Grandes civilizações foram fundadas pelos que realizavam uma educação integrada de corpo, mente e espírito e ajudavam os estudantes a se ligarem a algo que desse um sentido profundo às suas vidas, para a aquisição de novas técnicas e do conhecimento intelectual.

A violência que presenciamos atualmente nas escolas, representa uma reação, falta de uma base humana conectada a algo que proporcione um significado de vida mais profundo. A desordem que afeta a sociedade de nossos dias decorre da perda do contato com nosso autêntico self. Os sintomas são: tédio, relacionamentos disfuncionais, abuso de si e do outros, vícios e um sentimento de que a vida não tem sentido.

Os professores podem ser um tipo de conexão nutridora, se forem receptivos a seus próprios mundos interiores e desenvolverem formas de inteligência criativa, intuitiva, emocional e simbólica, estimulando o autoconhecimento juntamente com os estudantes.

Treinar os educadores a trabalhar com seu mundo interior e sua personalidade criativa expande o conteúdo de aprendizado acadêmico, levando outros tipos de conhecimento à mente racional.

Acredito ser de vital importância estimular característica da personalidade criativa em pessoas de todas as idades.

A psicóloga junguiana, Marie Von Franz, afirmou certa vez que “a cultura que não encoraja o potencial criativo de seus membros não evolui e se estagna, acabando por desaparecer.”

É necessário encorajar mais personalidades criativas, alavancar ainda mais a abordagem de idéias inovadoras a fim de que o nosso cotidiano seja visto de outro modo.

Desenvolver a criatividade não é apenas levar crianças ao teatro, museus ou fazer colagens, envolve o reforço das características da personalidade criativa.

O potencial criativo existe não apenas em artistas mas em todos nós. Sou testemunha de que é possível ensinar as características da personalidade criativa. Uma personalidade criativa inquisitiva, corajosa, comprometida com seu projeto criativo, auto-motivada e inovadora. É possível trazer a criatividade a qualquer trabalho que se escolha fazer.

  • Algumas características da personalidade criativa:
  • capacidade de viver na incerteza;
  • capacidade de acessar regiões profundas do inconsciente;
  • capacidade de sentir emoções profundas e intensas
  • pensamento independente, não-conformista
  • receptividade à idéias novas e diferentes
  • auto-motivação
  • persistência
  • curiosidade
  • espírito aventureiro, inovador, impulsivo, espontâneo
  • engenhosidade e sensibilidade aguçada
  • pensamento global: capacidade de perceber as interconexões entre assuntos aparentemente dissociados
  • capacidade de perceber uma coisa a partir de vários pontos de vista
  • respeito aos valores internos mais que à aprovação externa
  • capacidade de pensar simbólicamente (abstratamente)
  • variedade de interesses
  • apreciar os momentos de solidão
    “Os educadores de arte têm um papel vital a desenvolver, ensinando novos valores às crianças, a geração do futuro. Todos sabemos como é profunda a influência de um professor sobre a visão de mundo da criança, influenciando de maneira positiva ou negativa suas vidas. As crianças crescem melhor se acreditarem que  conseguirão tudo que pensam. O professor deve ser alguém que não critica e sim abre as portas da percepção para a exploração de possibilidades infinitas, através das múltiplas inteligências de cada um. O ambiente da sala de aula é o lugar onde os estudantes são, ou deveriam ser, encorajados a incorporar diversas maneiras de perceber algo novo, incorporando suas emoções, pensamentos e experiências, bem como assuntos relevantes, mas não é isso que vemos hoje em dia.”  (Professora de jardim da infância)
    Está na hora de incentivar e apoiar o processo criativo de nossas crianças. Sabemos muito bem agradar as pessoas, represar nosso autêntico Self e não dizer a verdade que sentimos, com medo de sermos desaprovados ou de ficar muito diferentes das outras pessoas. O desenvolvimento do nosso Self autêntico está diretamente relacionado com a expressão de nossa criatividade. Em nossas agendas superlotadas algumas vezes é necessário, tanto para alunos quanto para professores, permanecerem quietos, silenciar os pensamentos para que a mente criativa possa emergir.
    “Com a sobrecarga de informações absorvidas, os estudantes estão abarrotados e têm pouca oportunidade para refletir. As crianças hoje têm menos tempo disponível para um encontro consigo mesmas e para criar. Não há tempo para estimular o pensar ou o desenvolvimento de idéias. Temos que encorajar o questionamento, a reflexão e a exploração interior para facilitar o aprendizado sem o controle total sobre esse tempo de aprender; encorajar o tempo necessário para o desenvolvimento interno de interconexões criativas e imaginativas nos estudantes.”  (Naomi Verdirame, professora)
    Parece que muitos sistemas educacionais consideram a educação de arte como algo frívolo e desnecessário, embora a arte seja uma das poucas áreas onde pode ocorrer a expressão da alma.
    “Nos dois últimos anos trabalhei com a equipe de educação de Nova York, como professora de arte. Não tenho uma sala de aula, por isto me chamam de a professora do carrinho, pois vou de sala em sala com meu carrinho de materiais. É um desafio, para dizer o mínimo, mas eu aceito esse desafio diário por um motivo: sei como é necesásrio que experiências significativamente artísticas são importantes para o desenvolvimento das crianças. É por isso que quando sou solicitada a trabalhar com Pintura Espontânea em algumas de minhas aulas, não perco a oportunidade. Se eu posso fazer isso, qualquer um pode. Como em qualquer experiência de aprendizagem, a primeira tentativa é algo novo tanto para o professor quanto para as crianças. Tudo que eu sei é que temos andado em direção a um ganho com as lições de Pintura Espontânea; apesar das limitações práticas de espaço físico e de tempo limitado, percebo quanto tempo ganho com essas experiências. Quando um aluno se vira para mim e diz: eu me lembrarei disso pelo resto da vida, então eu sei qual o potencial que o Método da Pintura Espontânea tem na sala de aula e na vida.”  (Danielle Aronow, professora da 4a. série).
    EDUCAÇÃO EMOCIONAL E A PERSONALIDADE CRIATIVA PODEM SER ENSINADAS PELA PINTURA ESPONTÂNEA
    A Pintura Espontânea é um processo de autodescoberta e um contato único com a Educação Artística, no qual se desenvolve a personalidade criativa, ao alinhar o participante com seu autêntico Self. Quando nossa consciência não é dominada pelo pensamento racional, podemos desenvolver os outros caminhos do saber. Estou referindo-me às nossas aptidões essenciais e aos talentos natos da vida emocional, imaginação, inteligência criativa, inteligência simbólica, inspiração e assim por diante.
    A Pintura Espontânea também oferece ao estudante a oportunidade de entrar em contato com suas emoções e expressá-las de maneira criativa. Tem-se dado pouca atenção à comunicação das emoções individuais no cotidiano, exceto quando problemas óbvios tornam-se aparentes. Na educação das crianças no mundo de hoje, o fato de oferecer-lhes essa maneira de expressar a variedade de meios de conhecimento interior somados ao pensamento racional linear, é um método preventivo de saúde mental e equilíbrio.
    Cada indivíduo é único. Esse método de pintura permite que nossa natureza essencial, que se encontra no inconsciente, se fortaleça. Quando os estudantes são encorajados a expressar os aspectos desconhecidos de si mesmos, seus potenciais dominantes nascem na aula de arte através do processo criativo. As imagens simbólicas expressadas nas pinturas representam as forças dinâmicas dentro da psique humana, são veículos que dirigem o Self de cada indivíduo através do caminho de autoconhecimento.  O compromisso do educador emocional deve ser o de conscientizar o indivíduo a explorar o que ele gosta de fazer e então afastar-se, deixando que o processo criativo continue. Permitir que os alunos disponham de ferramentas para descobrir sua paixão e saber como desenvolvê-la deveria ser o importante papel do educador, segundo Joseph Campbell.
    O professor que trabalha com a educação emocional precisa ser treinado para tornar-se um ouvinte empático para com as necessidades da voz interna do autêntico Self de cada estudante, e guiá-los de maneira paciente, sem impor sua vontade ou julgamento. Precisamos criar um ambiente estável e seguro de maneira que o autêntico Self possa expressar-se. As palavras-chaves são: escutar, aceitar, reforçar e permitir a espontaneidade. Jonh Miller (Kane, 1999) escreve que há duas qualidades que o professor de almas deve trazer para a sala de aula, são a presença e o cuidado.
    Por presença, Miller quer dizer que o professor deve estar apto para ouvir profundamente, exemplo: deixa ver se entendi o que você quis dizer, e fala o que entendeu. É isso?. O aluno responde sim ou não. A professora ou colega pode repetir o que entendeu até que a comunicação se torne clara. Esse ato confirma: fui ouvido eu existo, o que eu tenho a dizer é importante, eu sou importante. A professora que além de passar informações didáticas correlaciona esses assuntos com as necessidades dos alunos, desperta melhor seu interesse. O facilitador de Pintura Espontânea pratica as duas qualidades (presença e cuidado) criando uma atmosfera segura e íntima na qual riscos podem ser corridos, uma vez que ocorrem em ambiente aberto e sem julgamento.
    A Pintura Espontânea de uma pessoa revela símbolos internos e incentiva o processo individual. Individuação, segundo Jung, é o processo de desenvolvimento da personalidade e estabelecimento da verdadeira identidade. Podemos dizer que a verdadeira identidade de uma pessoa se expressa pelas imagens simbólicas da Pintura Espontânea. Tenho observado que a capacidade nata do ser humano para pintar imagens, quando motivada por profunda emoção, resulta em despertar princípios de autodirecionamento da psique. É esse princípio de autodirecionamento, desencadeado pelos símbolos, que guia o indivduo em seu processo criativo de individuação. Esse é um processo orgânico que não precisa ser aprendido, do mesmo modo que uma flor sabe orgânicamente como crescer ao sol.
    Na sala de arte, pedimos aos alunos que pintem espontâneamente qualquer emoção que estejam sentindo. Exercícios preparatórios são feitos antes de cada sessão de pintura, para que os participantes liberem-se do constante questionamento da mente racional e entrem em contato com sua intuição, emoção ou mente imaginativa. Alguns desses exercícios preparatórios incluem meditação, centramento, biodança, movimentos com música e visualizações dirigidas. Os aquecimentos geralmente envolvem exercícios cinestésicos e de escuta, conectando a pessoa com sua inconsciência corporal. É um modelo holístico dirigido ao ser humano global, o corpo, a mente e o espírito. Não existem emoções boas ou más, e não se espera nenhuma resposta emocional correta aos exercícios preparatórios. Criamos um ambiente seguro para os estudantes expressarem sua raiva, tristeza, solidão, medos ou qualquer outra emoção que seja despertada nos exercícios preparatórios. Insistimos em que não sejam copiadas imagens externas ou idéias preconcebidas, e que pintem sem considerar nenhum padrão estético. No Método de Pintura Espontânea, o educador não oferece aos estudantes um tema predeterminado para a pintura. Ele os deixa em aberto. As emoções são expressas em uma tela ou em papel, e geralmente o pintor entra em estado fluido ou alfa, quando há tempo suficiente para a pintura. Nesses estados mentais perde-se o sentido de tempo e existe uma imersão tão grande no que se está fazendo que eles não se deixam incomodar por distrações externas. Existem muito mais coisas em nós do que apenas a realidade percebida por nossa mente consciente. Nesse estado de união, quando o controle do ego diminui, o ato de pintar torna-se uma meditação.
    Muitas pessoas não entendem o significado das imagens simbólicas que elas pintam. Algo poderoso foi expresso e muitas vezes a mente racional não está desperta para isso que existe logo abaixo do nível de consciência. Elas vêem isso pela primeira vez expresso na pintura.
    Tratamos as imagens simbólicas como um guia para o inconsciente (Mc Niff, 1989) e perguntamos: quem é você? Por que eu pintei você? O que você gostaria de me dizer? Os participantes escrevem e dão uma voz  à pintura.
    A professora de arte, Evelyn Candell, escreveu o seguinte:
    “Eu estava com fome e não sabia
    Acordes musicais penetram na fenda seca
    de minha alma Toque-me agora porque estou chorando
    Me abrace pelo meu desespero
    Fios da morte fumaçam
    Atam meus pés quando eu ando
    Mãos calorosas de amigos
    Deslizam fora do meu alcance
    E eu estou chorando…venha, dance e cante
    Me abrace e me sentirei acolhida…”
    Duas semanas mais tarde ela escreveu:
    “Existe um êxtase e um prazer em me envolver com esta pintura, ao entrar em contato com a beleza que eu captei deste momento maravilhoso; a felicidade de ter o pincel em minha mão! Respiro profundamente, consciente da vida e com a entrega da beleza ao universo neste momento. Eu quero dançar; eu necessito me mover no espaço; eu quero me conectar com a pintura…”
     Crianças também respondem ao seu próprio trabalho:
    “Eu sou um garoto dançando com um tambor bastante barulhento; eu sou o coração que traz amor para este garoto; eu sou um círculo amarelo que está cercando o garoto e o tambor. “

(aluno do 4 grau)

    “Eu penso que é uma boa pintura. Me lembro quando pela primeira vez eu vi uma lagarta. Era tão divertido observar a lagarta virar borboleta. Faz quatro anos desde que eu vi isto, por isto que fiz esta pintura.”

(aluno do 4 grau)

    Depois de uma sessão de escrita todos começam um exercício, um processo interativo de grupo para entender o significado das pinturas. Os participantes podem compartilhar como se sentem quando se identificam com a pintura de outra pessoa. João diz: Pedro, se sua pintura fosse minha, eu estaria me sentindo…muito confuso ou: quando eu olho para sua pintura eu sinto alguma confusão…Quando pedimos às crianas que falem sobre o trabalho de outras crianças, isso geralmente as faz se sentir expostas. Mas nós criamos um ambiente de segurança quando as pessoas podem dividir sentimentos, sabendo que não serão julgadas nem criticadas. O educador emocional pode dirigir-se aos membros do grupo e perguntar: tem mais alguém que se sente confuso como o João a respeito da pintura de Pedro? Alguém quer dizer alguma coisa sobre o que está sentindo? Pedro, o pintor, sabe que as pessoas estão falando de seus sentimentos, mas sem se dirigirem a ele, que pode ter um grande insight sobre o significado de suas pinturas depois de ouvir a voz coletiva e decidir que comentários lhe servem.
    Ter seu mundo emocional compreendido pelos outros é muito positivo. Primeiro deve estabelecer-se o alicerce no qual as pessoas respeitem as diferenas individuais de pensamento e sentimento, e a classe provê segurança, proteção e confiança. O processo de Pintura Espontânea não deve ser praticado sem orientações dirigidas porque sentimentos muito intensos podem aflorar e os professores precisam estar treinados na educação emocional.
    Um educador de arte, que fez esse curso, expressa-se assim:
    “Quero integrar todo o ensinamento positivo desta aula de Pintura Espontânea, de modo que outros possam também comunicá-la a mais outros, pelo exemplo. Estou vendo pela primeira vez que esse tipo de ensino pode ser a ponte que preencha os vazios do ódio e do preconceito na sala de aula, pela aprendizagem de que podemos trabalhar juntos em harmonia e expressar nossos sentimentos de maneira construtiva.”
    Se nós nunca comunicamos o mundo emocional através das nossas lições e interações diárias, não como uma atividade específica mas como parte natural da vida e da comunicação cotidiana, nós nos dissociamos de uma parte muito rica de nosso potencial humano. Os educadores deparam-se com o desafio de criar um equílbrio entre estas partes importantes, ainda que se constituam caminhos opostos de conhecimento: emoções, auto-expressão criativa versus avaliação lógica e intelectual.
    Para isso, não seria hora de começarmos a preparar os professores para lidar com a educação emocional? Arte é essencial. Seres humanos precisam dela e sempre precisarão criar. As crianças, especialmente, precisam ter a oportunidade de se expressar de maneira espontânea.
    Crianças têm múltiplas formas de inteligência. Em um programa de estudos na sala de aula, moldado por meio de testes, existe menos oportunidade para as crianças estimularem a inteligência, a não ser por via curricular. O resultado disso é que as crianças deixam nossas escolas como seres humanos desequilibrados. A vida real não é um teste de múltipla escolha mas uma série frequente de problemas a resolver. Estaremos enviando nossas crianças para o mundo sem as habilidades necessárias à vida, se não lhe proporcionamos um tempo no dia-a-dia para a expressão criativa, espontânea, para que ela possa sentir poder dentro de si mesma.
    “Como professores de arte, nós sentimos que a aula de arte deve ser tão bem planejada quanto a de educação física. A aula de arte uma ou duas vezes por semana durante 40 minutos é insuficiente. Nós sentimos que as crianças precisam de uma carga horária maior para criar sem interrupções e para desenvolver um tema desde o incio até o fim da aula.”

(educadores do 2 grau)

    Minha meta é treinar arte-educadores para facilitar a educação emocional e desenvolver características da personalidade criativa dentro deles mesmos, para que assim possam ser modelos dotados de entendimento e descoberta sobre o processo criativo, pois já o experimentaram primeiro. Como podem os educadores influenciar seus alunos a caminhar pelo mundo, perseverando na realização de seus sonhos, estabelecendo um ponto de controle interno, explorando o desconhecido e o funcionamento livre de acordo com sua natureza intrínseca, se eles não experenciaram a transformação pessoal e não entenderam a dinâmica do próprio processo criativo? Isto não nos ajuda a buscar o domínio mais profundo da arte e da alma do ensino? (Kane, 1999)